África(s), moçambicanidade, Mia Couto – Uma varanda para o Índico

África(s), moçambicanidade, Mia Couto – Uma varanda para o Índico, dissertação de Aluísio Barros de Oliveira. 

“RESUMO Sempre vista pelos olhos de fora, desconhecedores das línguas e outras “realidades” que a constitui, a África, notadamente Moçambique, agora se (re)inventa, palimpsesticamente, nas narrativas de seus griots, narradores e/ou contadeiros de estórias. Nossa dissertação pretende, pela análise crítica do romance A varanda do frangipani, demonstrar que o escritor moçambicano Mia Couto tenciona participar do processo de (re)construção de uma nação devastada por guerras e conflitos, baseado na crença de que o papel do escritor “é o de criar os pressupostos de um pensamento mais africano, para que a avaliação do seu lugar e do seu tempo deixe de ser feita a partir de categorias criadas pelos outros” (COUTO, 2005). Inicialmente, demonstraremos como o sistema literário moçambicano se constituiu; em seguida, a inserção da narrativa coutiana ante a tradição imperante e, por fim, pela análise dos elementos constituintes do romance escolhido, o modo como – feito peça de resistência à reificação, à coisificação do indivíduo no mundo contemporâneo –, a sua escritura se fará presente nesta partilha. Além de Mia Couto, contaremos em nossa empreitada com as lições de Candido, Noa, Hernandez, Adorno, Paz, Fonseca, Secco, dentre outros estudiosos da narrativa e da narrativa africana de língua portuguesa, notadamente a moçambicana.”

 

Dissertacao de Aluisio Barros

A caligrafia da chuva

Quando chove – entre nós – é sinal de um milagre que se avizinha, diz-se; e hoje choveu bastante. Cá dentro reverbera o murmúrio da chuva; seus traços oblíquos e líquidos, o seu falar intermitente. É pois o fio da sua húmida caligrafia, o redesenhar do destino a cada badalada do seu sino. A metamorfose, o renovar, o vivificar; é tudo quanto se espera depois da chuva preencher o chão com a sua escrita.

A chuva representa em muito a esperança, seja de uma boa colheita ou de uma sementeira promissora. As pessoas campestres – como eu – gostam da chuva, para além de atenuar o calor que por aqui se faz e humedecer a relva para os pastos, a chuva é por si só um sinal, um símbolo de fertilidade e de fartura. Um sentimento de alívio ressoa sempre que chove: haverá, de certeza, água para um, dois ou três dias, e os banhos não mais serão austeros, e as flores envoltas ao quintal libertar-se-ão da esquálida magreza imposta pelos fulminantes raios do sol.

A chuva só deixa de ser boa quando inunda tudo em volta, quando chove torrencialmente ou quando faz transbordar os rios, deslizando a terra ou quando arrasa os vales, derruba as pontes e viadutos. Aí sim, causa tristeza e torna-se um bem desnecessário! Aliás, diz o ditado que tudo em excesso faz mal.

Há vezes que ocorre cruzarmo-nos com um parente ou um amigo que o tempo há tanto nos separara e dizemos convictos “hoje vai chover”, porém não é a chuva – fenómeno físico ou natural – que esperamos mas queremos apenas enfatizar o encontro, o seu lado “miraculoso”.

Conota-se com isso a falta da chuva, a saudade, a secura que é isso, e traduzimos, portanto, na falta que esse parente ou amigo nos faz.
Hoje choveu muito, eu dizia, e um cinzento esbateu-se por dentro, tão baço quanto era o próprio dia. Quanto era, digo, porque, súbito, o telefone tocou:

– Alô, quem fala?

E uma lâmpada acendeu a vela memorial de tempos idos, tempo antigo, em que o amor tinha outro sabor.

Fosforesceu o dia em mim, e de repente uma vontade de me molhar, de dançar à chuva.

A chuva fez tanto sentido e, enquanto pingava, era como se o fizesse no tecto do meu coração. Uma pessoa que eu tanto quero bem sem saber que a mim ela quisesse também, ligou-me e isso era tudo o que faltava para o meu dia explodir de beleza, nesses dias que só a nostalgia e velhas lembranças dão sentido ao meu viver.

Álvaro Taruma, de Maputo.

LOGO INFINITO

A dimensão poética e social do feminino em obras e Mia Couto – Dissertação

A dimensão poética e social do feminino em obras de Mia Couto, dissertação de Dilson Santos.

RESUMO
O presente estudo reflete sobre a dimensão social e poética do feminino em romances de Mia Couto. Para tanto, foram selecionados os romances Terra Sonâmbula, O outro pé da sereia e Antes de nascer o mundo, com as suas respectivas personagens femininas: Farida, Mwandia e Dordalma. São ressaltados aspectos sociais e históricos de Moçambique, a partir dos cenários e personagens criados pelo autor que vivenciou os conflitos pós-coloniais ali desenrolados. As três personagens femininas são analisadas a partir da sua situação histórica, social e familiar, num contexto de violação constante por parte dos homens; ao mesmo tempo, são vistas como a representação metafórica, de uma Moçambique feminina que sofria com a colonização, com as lutas pós-coloniais e dificuldades internas (guerras civis), mas que ainda antes já era vítima de abusos patriarcais de muitos de seus próprios concidadãos. E, no contexto retratado pelos romances, é possível perceber que se o homem moçambicano já sofria ao se sentir impotente, a mulher, certamente, sofria sempre mais.

 

Dimensão social e poética do feminino, por Dilson Santos