Bem na foto: Fernanda Torres, Mia Couto, a editora da Companhia das Letras Julia Bussius e o publisher Otávio Marques da Costa / Foto: Carol Machado

Fernanda Torres participa de leitura do livro “Mulheres de cinzas”

O escritor moçambicano Mia Couto participou, nessa quarta-feira (18/11), de uma leitura de seu último livro, “Mulheres de Cinzas” (Companhia das Letras) com a ajuda da atriz e também escritora Fernanda Torres. Mia, que ganhou em 2013 o prêmio Camões, o mais importante da língua portuguesa, está lançando, com esse romance, o primeiro da trilogia chamada de “As areias do imperador”. O enredo é sobre Ngungunnyane, último dos imperadores que governou a metade sul de Moçambique no século XIX.

Mia contou várias passagens curiosas para o auditório lotado. Ele disse que, ao comentar com o presidente do seu país que tinha receio de despertar fantasmas do passado com essa história, recebeu a resposta: “Mais vale acordar os fantasmas que os fantasmas nos acordarem”.

Fernanda também fez vários comentários. Disse: “O Brasil cortou os laços com a África. Ler este romance foi revelador e fascinante. Estamos tão longe e tão próximos”. A atriz estava bem inspirada: “Nosso português se diferenciou muito do de Portugal, ao contrário do que houve nos países de língua portuguesa na África. É tão bonito escutar esse português falado com todos os pronomes”. Mia, elegantemente, acrescentou: “A língua portuguesa no Brasil ganhou uma leveza e uma liberdade tão própria”.

O escritor africano terminou o papo com bom humor: “Outro dia, aqui no Brasil, entrei num táxi e o motorista me disse que, para um gringo, o meu português era ótimo”. Depois de rir muito, a plateia, que estava entusiasmada, cercou Mia Couto em busca de autógrafos.

Fonte: Lu Lacerda

Mia Couto apresenta o seu novo romance: “Mulheres de Cinza”

Para compreendermos a obra, nada melhor que ouvir do próprio escritor os detalhes de sua construção. Trata-se do primeiro volume de uma trilogia denominada “As areias do imperador”.

Em Moçambique e em Portugal, o primeiro livro se chama “Mulheres de cinza”, sendo que no Brasil, se chamará (será lançado na próxima semana) “Mulheres de cinzas”. Segundo o autor, no Brasil, “Mulheres de cinza” poderia ser intepretado como “mulheres que se vestem de cinza”, enquanto nos demais países não seria possível essa interpretação. Para evitar uma leitura equivocada do título, este fora alterado no Brasil.

Eis a sinopse da obra:

“Primeiro livro da trilogia As areias do Imperador, Mulheres de cinzas é um romance histórico sobre a época em que o sul de Moçambique era governado por Ngungunyane, o último grande líder do Estado de Gaza. Em fins do século XIX, o sargento português Germano de Melo foi enviado ao vilarejo de Nkokolani para participar da batalha contra o imperador que ameaçava o domínio colonial. Lá, ele encontra Imani, uma garota local de quinze anos que lhe servirá de intérprete. Enquanto um dos irmãos da menina lutava pela coroa de Portugal, o outro se uniu aos guerreiros tribais. Aos poucos, Germano e Imani se envolvem, apesar de todas as diferenças entre seus mundos. Porém, num país assombrado pela guerra dos homens, a única saída para uma mulher é passar desapercebida, como se fosse feita de sombras ou de cinzas.” Companhia das Letras

Vale muito conferir.

Mia Couto escreve sua autobiografia, em registro poético

Autobiografia

Onde eu nasci
há mais terra que céu.

Tanto leito é uma bênção
para mortos e sonhadores.

E de tão pouco ser o céu
nasce o sol
em gretas nos nossos pés
e os corações se apertam
quando remoinhos de poeira
se elevam nos telhados.

As mães
espanam o teto
e poeiras de astros
cobrem o soalho.

De tão raso o firmamento,
a chuva tropeça nas copas
enquanto nuvens
se engravidam de rios.

Com tanta escassez de céu
não há encosto
nem para a mais minguante lua
e os meninos,
na ponta dos dedos,
ascendem estrelas.

Pois,
nessa terra
que é tanta para tão pouco céu,
calhou-me a mim ser ave.

Pequenas que são,
as minhas asas parecem-me enormes.

Envergando,
escondo-as dos olhares vizinhos.

Nas minhas costas
pesam
versos e plumas.

Voarei,
um dia,
sem saber
se é de terra ou de céu
a pegada do voo que sonhei.

Mia Couto, em “Vagas e lumes”.

Lisboa: Editorial Caminho, 2014.