Nunca mais, corrupção!
Por Dany Wambire
Todos já eram corruptos ou corruptores, em Fim-de-Mundo. Sim, todos já eram mais dedicados ao dinheiro ilícito, pedindo recompensas, por todo o serviço a todo o cidadão. Até o serviço, que era do seu respectivo dever, devidamente remunerado, aos fins de meses.
E, dentre os corruptos, havia Inconstante Constâncio, homem, que exercia, com zelo e dedicação, a sua corrupta prática, conforme as hodiernas e malvadas ordens. Ele jamais defraudou as expectativas dos seus apoiantes. Falo dos que com ele trabalhavam, de forma abnegada, para o desenvolvimento da corrupção, e para o combate aos homens de excelente educação, os morigerados.
Inconstante Constâncio trabalhava para a Polícia de Tráfego de Fim-de-Mundo. Os seus deveres eram: controlar os veículos, que caminhassem em excesso de velocidade e em velocidade excessiva, policiar os condutores, que movessem os veículos, em estado de embriaguez; entre outras ilicitudes rodoviárias. Mas, não escassas vezes, exigia outras coisas imprevistas por lei, quando, a todo o custo, queria arrancar trocado, dos automobilistas: capacete; guia de marcha; luvas de condução; e outras desnecessidades.
Certa vez, de resto, Inconstante, quando estava no seu respectivo posto de trabalho, nas bermas de qualquer estrada, interpelou uma viatura, conduzida por um automobilista em estado de embriaguez. Ademais, a viatura era demasiado pesada, imprópria para andar pelas ruas frágeis de Fim-de-Mundo. Sim, só devia andar a viatura numa via dura, as rodas a confrontarem-se com a rigidez do pavimento da mesma.
E, quando o automobilista, ora interpelado, se concentrou, a cumprir as exigências do fiscal rodoviário, ouviu dele:
― Vinhas em velocidade excessiva e estás bêbedo. Você bebeu!
― Não bebi, chefe. Apenas tomei uns copos de cerveja clara. ― Retrucou o automobilista.
― Então, vamos soprar balão. ― Ordenou o homem da lei e ordem.
Soprar balão coisa nenhuma, pois o automobilista, de nome Distância Esquivado, começou a criar condições para a corrupção. Foi dizendo que, apesar de ter ingerido alguns mililitros de álcool, estava lúcido, capaz de exercer qualquer actividade. Até podia fazer “um quatro”, esse teste, que se exige, comummente, para se confirmar a lucidez de um suposto embriagado.
No seguido, Distância Esquivado desceu do carro, e conduziu o agente da polícia de Tráfego para o lado traseiro. Disse-lhe que daria qualquer coisa, em troca da detenção e parqueamento da viatura, pelas infracções cometidas, para a satisfação do polícia. Afinal, o polícia estava à espera de pessoas abertas: aquelas que cometiam erros rodoviários, e logo vinham deixar algum trocado, para facilitar o perdão.
Distância Esquivado pagou dois mil meticais, e seguiu com a marcha. O polícia ficou a ganhar delícias, do produto da sua malvada prática: a corrupção. É caso para dizer que o dinheiro resolvia tudo, em Fim-de-Mundo.
Na verdade, o automobilista prevaricador, seguindo com a marcha, autorizado estava a praticar mais ilegalidades e atrocidades. Foi andando, em velocidade excessiva, sem piscas, para regulares sinalizações, ultrapassando outras viaturas, de modo irregular, desrespeitando as regras que regiam a ultrapassagem. Havia, decerto, condições propícias, para a ocorrência de acidente. E aconteceu!
Sim, três quilómetros depois, houve um acidente claramente provocado por Distância Esquivado. Soube-se que o prevaricador andava em contramão, e acabou por embater contra um carro, conduzido por uma senhora, que estava na sua respectiva faixa de rodagem. E os resultados foram os mais graves de sempre: morreram instantaneamente todos os ocupantes das duas viaturas. Mas um dos envolvidos morreu, por causa própria. Dir-se-ia por justa causa. Infelicidade, injusta, seria para os familiares da condutora e outros ocupantes da outra viatura sinistrada.
Afinal, quem era a senhora, que conduzia a outra viatura? Incrível que pareça, a condutora ora morta, era a esposa de Inconstante Constâncio, o agente da polícia de Tráfego, que deixara passar o automobilista, que lhe acabou com vida da consorte, a sua genuína esposa. E nasceu o entristecimento de Inconstante. O homem estava inconsolável como ninguém. Porque é que ele podia ter convocado morte para sua casa? Por causa da corrupção, é claro. E aos que o vinham consolar, ele jurava, peremptoriamente:
― Nunca mais, corrupção!
Dany Wambire é escritor moçambicano.